Propaganda eleitoral, redes sociais e a minirreforma eleitoral
1 Introdução
O Direito Eleitoral é um subsistema do
direito público que, dentre outras finalidades, objetiva regular o
processo eleitoral, assegurando-se respeito a princípios basilares que
devem ser observados por candidatos, partidos e coligações.
Dentre os princípios que regem o direito
eleitoral, o princípio da igualdade de disputas merece destaque, na
medida que o certame eleitoral deve ocorre mediante uma concorrência
justa e igualitária entre aqueles que pretendem ocupar um cargo eletivo.
Nesse sentido, pressuposto da igualdade
eleitoral é o efetivo cumprimento das regras eleitorais, dentre as quais
se destacam aquelas que disciplinam a propaganda eleitoral.
Segundo Fávila Ribeiro, “a propaganda é
um conjunto de técnicas empregadas para sugestionar pessoas na tomada de
decisão” (RIBEIRO, 1998, p. 379.). Assim, destina-se a influir na
formação da opinião eleitoral do eleitor.
Sob o ponto de vista normativo, o tema é
tratado precipuamente na Lei 9.504/97, conhecida como lei das eleições,
bem ainda na Resolução TSE nº 23.404/2014, que trata da propaganda
eleitoral e condutas ilícitas em campanha.
No direito eleitoral, há quatro espécies
de propaganda que derivam do gênero propaganda política: propaganda
institucional, propaganda partidária, propaganda intrapartidária e
propaganda eleitoral propriamente dita. A primeira diz respeito à
publicidade institucional que encontra fundamento no art. 37, § 1º, da
Constituição Federal, com restrições no ano eleitoral decorrentes das
regras contidas no art. 73, VI, b, e VII da Lei 9.504/97. A segunda, a
propaganda dos partidos políticos, tem por finalidade, nos termos do
art. 45 da Lei 9.096/95, divulgar programas partidários, transmitir
mensagens aos filiados sobre a execução do programa partidário, dos
eventos com este relacionados e das atividades congressuais do partido,
divulgar a posição do partido em relação a temas político-comunitários,
bem ainda promover e difundir a participação feminina, no afã,
inclusive, de conquistar novos filiados. A propaganda intrapartidária,
por sua vez, cinge-se à propaganda que acontece previamente às
convenções partidárias, as quais ocorrem de 12 a 30 de junho do ano
eleitoral. Por fim, propaganda eleitoral propriamente dita é aquela na
qual o candidato objetiva a conquista lícita do voto do eleitor.
Ocorre que a propaganda eleitoral só é
permitida a partir do dia 06 de julho do ano eleitoral e, ainda assim,
deve observar regras restritivas, tais como vedações de propaganda em
bens públicos e em bens de uso comum, de showmícios, outdoors,
apresentação de artistas, restrições com horário, tamanho, proximidade
de determinados órgãos públicos, teatros, bibliotecas, igrejas, etc.
Assim, a propaganda que não esteja
inserida em nenhuma das causas permissivas contidas no art. 36-A da Lei
9.504/97 e que é realizada antes do dia 06 de julho pode ser considerada
propaganda antecipada e, desse modo, violar a legislação eleitoral, na
medida que favorece aquele que antecipa a divulgação de sua candidatura,
ainda que subliminarmente, com maltrato à paridade de disputas.
2 Propaganda eleitoral antecipada em redes sociais
Por propaganda antecipada, o Tribunal
Superior Eleitoral entende tratar-se da propaganda realizada antes da
data autorizada para o início das campanhas eleitorais (06 de julho) e
que leve leve ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a
candidatura, a ação política ou as razões que levem a inferir que o
beneficiário seja o mais apto para a função pública (TSE, Agr-Respe
115905).
Nesse quadro, podem ser citadas a divulgação em outdoor
de felicitações por dias comemorativos, nas quais haja destaque à
imagem e nome daquele que promove a propaganda, faixas com promoção
pessoal expostas em eventos artísticos ou inaugurações de obras,
manifestações nas quais há menção à continuidade de projeto de governo
(TSE, AgR no Respe 3913/AM), etc.
Mas, a partir das Eleições de 2014,
novidades introduzidas pela Lei 12.891/2013, conhecida como minirreforma
eleitoral, alteraram a moldura legal da propaganda estabelecida na Lei
9.504/97, principalmente na internet, permitindo-se a realização
de propaganda em redes sociais, inclusive antes de 6 de julho, quando se
tratar da divulgação de prévias partidárias, bem ainda de manifestação
e posicionamento pessoal do pré-candidato sobre questões políticas.
Diz o texto legal:
Art. 36-A. Não serão
consideradas propaganda antecipada e poderão ter cobertura dos meios de
comunicação social, inclusive via internet: (Redação dada pela Lei
12.891, de 2013)
I – a participação
de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas,
programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet,
inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado
pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento
isonômico; (Redação dada pela Lei 12.891, de 2013)
II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos,
para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de
políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às
eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; (Redação dada pela Lei 12.891, de 2013)
III – a realização de prévias partidárias e sua divulgação pelos instrumentos de comunicação intrapartidária e pelas redes sociais; (Redação dada pela Lei 12.891, de 2013)
IV – a divulgação de
atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça
pedido de votos; (Redação dada pela Lei 12.891, de 2013)
V – a manifestação e o posicionamento pessoal sobre questões políticas nas redes sociais. (Redação dada pela Lei 12.891, de 2013)
Parágrafo único. É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias.
Nas redes sociais, já se identifica em
alguns perfis e páginas de pré-candidatos a divulgação, com destaque, de
suas participações em eventos partidários, visitas a comunidades ou
associações, algumas contendo, inclusive, faixas, banners ou placas que enaltecem a condição de candidato para as eleições vindouras.
Não raro, ainda, surgem imagens de
candidatos associadas a dizeres de apoio e pedido de compartilhamentos,
prática que faz com que a fotografia passe a ser exibida nos perfis de
várias pessoas e vista por muitas outros usuários da rede social,
dimensionando-se, consideravelmente, o destaque dado àquele
pré-candidato beneficiado pela propaganda eleitoral extemporânea, em
tese.
Esse flood, por exemplo, quando praticado na rede social facebook, invade as timelines dos usuários, sendo, portanto, visto mais vezes do que outras notícias que aparecem no feed de notícias.
Indaga-se, portanto, até onde essas
práticas estão acobertadas pelo art. 36-A, incisos II, III ou IV da Lei
9.504/97, com redação dada pela Lei 12.891/2013, ou, de fato,
caracterizariam propaganda antecipada.
De início, é preciso destacar que o tema
é novo e, como tal, as discussões sobre as novas regras ainda estão
acontecendo. Mas, mais rápidas que a abordagem doutrinária são as ações
de alguns que já usam as redes sociais para registrar e divulgar os mais
diversos momentos de caminhada à candidatura.
Também importante destacar que a
propaganda eleitoral tem por regra iniciar-se após o pedido de registro
de candidatura. Assim, propaganda antes dessa data é admitida
excepcionalmente, o que significa dizer que o art. 36-A constitui regra
de exceção e, assim, não comporta, a princípio, interpretação extensiva.
No tocante ao disposto no inciso III do
art. 36-A da Lei 9.504//97, ou seja, de que não caracteriza propaganda
antecipada a realização de prévias partidárias e sua divulgação pelos
instrumentos de comunicação intrapartidária e pelas redes sociais,
tem-se que essa regra permite que o partido político, por seus canais
próprios de divulgação, inclusive em rede social, divulgue a realização
desses eventos.
Discute-se, ainda, se tais publicações deveriam se restringir aos seguidores ou amigos da página ou perfil, o que levaria à conclusão de que não poderiam ser divulgadas em perfis abertos.
Deve-se, portanto, compreender que o
inciso III admite propaganda do partido em rede social em razão de
evento por ele realizado, não sendo, portanto, extensiva a
pré-candidatos filiados a essas agremiações.
Se as prévias são partidárias, elas são
realizadas, organizadas e estão sob a responsabilidade dos partidos
políticos; logo, a divulgação desses eventos por filiados que passam a
reproduzir em suas redes sociais imagens que destaquem sua condição de
“pré-candidato”, principalmente tendo, ao fundo, banners ou
faixas de apoio à sua candidatura, parece não estar acobertada pelo
permissivo que autoriza a divulgação de prévias partidárias em redes
sociais.
Cumpre frisar que prévias partidárias
são pesquisas que o partido realiza entre seus filiados para fixação de
diretrizes e orientações políticas internas e, no caso, não se confundem
com encontros para lançamento de candidaturas, com promoção pessoal de
seus militantes; do contrário, não faria sentido o art. 36, II, da Lei
9.504/97 limitar à comunicação intrapartidária a realização de
encontros, seminários ou congressos partidários, em ambiente fechado e a
expensas das agremiações.
Lado outro, o direito eleitoral, quando
tratou da propaganda prévia ao momento apropriado em que os partidos
devem escolher os nomes que serão levados a registro junto à Justiça
Eleitoral, ou seja, na ocasião das convenções partidárias, que só
ocorrem em junho do ano eleitoral, buscou restringir a publicidade (Lei
9.504/97, art. 36, § 1º), de modo que conferir a encontros partidários
finalidades convencionais e com propaganda em massa nas redes sociais
caracteriza, em tese, burla à legislação eleitoral, a qual fixa momentos
para cada tipo de comportamento eleitoral, com efeitos na propaganda.
Assim, propaganda que divulgue, ainda
subliminarmente, a candidatura de alguém antes de 6 de julho, mesmo
mediante a divulgação de imagens captadas em eventos partidários,
sinaliza a caracterização de propaganda eleitoral antecipada, já que
possui o condão de fixar na memória do eleitor que determinado
pré-candidato postulará candidatura, fato que se agrava quando há menção
de apoio ou de ser o pré-candidato o mais apto a assumir a função
pública.
Nesse sentido, o Tribunal Regional
Eleitoral do Rio de Janeiro, em decisão liminar proferida na
Representação nº 13.842, determinou retirada de conteúdo publicado na
conta do facebook de um Deputado Federal, por suposta propaganda
antecipada, na qual o pré-candidato mencionava sua pré-candidatura e
fazia autopromoção. Na ocasião, o representado usou a rede social para
enaltecer sua gestão no governo estadual e divulgar programas de sua
autoria.
O Tribunal Superior Eleitoral, por sua vez, em liminar proferida na Representação nº 12.304, determinou a retirada do facebook de conteúdo que promovia candidatura de um candidato a presidente.
Na decisão, o Ministro Admar Gonzaga
lembrou precedente do Tribunal Superior Eleitoral segundo o qual deve
ser entendida como propaganda eleitoral antecipada qualquer manifestação
que, previamente aos três meses anteriores ao pleito e fora das
exceções previstas no artigo 36-A da Lei nº 9.504/97, leve ao
conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo
que somente postulada. (Rp 189711-DF, Rel. Min. Joelson Dias, DJE
16.5.2011).
Verifica-se, assim, que, apesar do
disposto no art. 36-A, inciso IV, da Lei 9.504/97, ou seja, de que não
caracteriza propaganda antecipada a manifestação e o posicionamento
pessoal sobre questões políticas nas redes sociais, a divulgação de
imagens, vídeos ou dizeres capazes de realizar promoção pessoal de
pré-candidato tem sido considerada propaganda eleitoral antecipada.
E não podia ser diferente, pois
manifestação e posicionamento pessoal não se confunde com divulgação de
cenas que enaltecem a imagem e nome de pré-candidatos. Assim, não
autoriza a realização de verdadeiro marketing pessoal sobre a
candidatura de quem quer que seja. Trata-se, na verdade, de um ato de
campanha, dissimulado na maioria das vezes, o que se torna ilegal, pois é
realizado antes da data expressamente estabelecida pela legislação
eleitoral (Lei 9.504/97, art. 36).
Nesse sentido é a jurisprudência do
Tribunal Superior Eleitoral, ao afirmar que a promoção pessoal do
candidato e o enaltecimento de suas realizações pessoais, de forma a
propagar a ideia de ser ele o mais apto para o exercício de determinada
função pública, excedem os limites previstos no art. 36-A da Lei nº
9.504/97 e configuram propaganda eleitoral antecipada (TSE, ED-AI 5243).
Ressalte-se, ainda, que a Lei 9.504/97,
art. 36-A, IV, autoriza a divulgação de atos de parlamentares e debates
legislativos, desde que não se faça pedido de voto. Em tal hipótese, não
se exige que o pedido de votos seja expresso, o que certamente não
ocorrerá, bastando que da propaganda se extraia esse desiderato.
Essa interpretação pode ser facilmente
identificada na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, segundo a
qual a propaganda antecipada pode se caracterizar também pela
divulgação de propaganda dissimulada ou subliminar (TSE, AgR-REspe
390462).
Inegável, porém, que a internet é
um ambiente aberto e de difícil controle, principalmente nas redes
sociais e, tendo em vista o elevado número de perfis, cresce a
importância da efetiva participação democrática dos cidadãos a fim de
auxiliar na fiscalização, canalizando aos órgãos de controle denúncias
de propaganda eleitoral antecipada, em tese, para que sejam tomadas as
medidas necessárias ao cumprimento da legislação eleitoral,
assegurando-se, como dito no início deste artigo, um processo eleitoral
justo e carreado pela igualdade da disputa.
Dentre os canais de controle, existem as
Ouvidorias dos Tribunais Regionais Eleitorais, através do telefone 148
(Disque Eleições), bem ainda as Promotorias e Procuradorias Regionais
Eleitorais, cujos meios de contatos estão disponibilizados na página da
Procuradoria Geral Eleitoral (www.eleitoral.mpf.mp.br), onde, inclusive,
é possível preencher formulário de denúncia on line. Nos
municípios, ainda, basta o cidadão levar os fatos a conhecimento do
Promotor Eleitoral de sua cidade, nas sedes das Promotorias de Justiça
locais.
No tocante às penalidades, a realização
de propaganda antecipada, nos termos do art. 36, § 3º, da Lei das
Eleições, sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e,
quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no
valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil
reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.
3 Conclusão
A propaganda eleitoral antecipada
constitui uma prática ilegal que fere o princípio da igualdade na
disputa eleitoral e se caracteriza pela realização propaganda que, de
forma extemporânea, promova a candidatura de pré-candidato, levando ao
conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, a
ação política ou as razões que levem a inferir que o beneficiário seja o
mais apto para a função pública.
Todavia, a minirreforma eleitoral
introduzida pela Lei 12.891/2013, ao permitir a divulgação em redes
sociais de prévias partidárias e da manifestação e posicionamento
pessoal dos pré-candidatos sobre questões políticas, passa a exigir do
intérprete uma reflexão sobre as finalidades da norma, sopesando com a
necessidade de se preservar a igualdade e lealdade da disputa eleitoral.
Segundo disciplina o art. 36 da Lei
9.504/97, a propaganda eleitoral deve ter início somente após o dia 5 de
julho do ano eleitoral. Assim, importante a conclusão de que as regras
permissivas do art. 36-A da Lei 9.504/97, introduzidas pela Lei
12.891/2013, são regras de exceção e, como tal, não comportam
interpretação extensiva.
Nesse sentido, ao se permitir a
divulgação de prévias partidárias em redes sociais, deve-se entender que
essa liberalidade não é conferida ao pré-candidato isoladamente, mas
somente às agremiações partidárias, já que as prévias são eventos
partidários e não podem ter a sua divulgação destinada à promoção de
filiados.
O mesmo raciocínio deve ser emprestado à
regra que permite a divulgação em redes sociais de manifestação e de
posicionamento pessoal dos pré-candidatos sobre questões políticas.
Manifestação e posicionamento exigem um comportante ativo, seja escrito
ou falado, o que não se confunde com a divulgação de registros
fotográficos em redes sociais e que enaltecem o candidato, ainda que
tais registros tenham sido capturados em encontros partidários.
Inegavelmente, a maioria dos candidatos
estão nas redes sociais e tais meios de comunicação não podem ser
transformados em palco para a promoção pessoal e candidatura de nenhum
usuário enquanto não transposta a data estabelecida pela legislação
eleitoral e antes da qual a propaganda é considerada ilícita.
Cerrar os olhos para essa regra
eleitoral significa violar o princípio paritário, com resultados
perigosos para a legitimidade do processo eleitoral em vista da lesão à
igualdade da disputa.
Do exposto, verifica-se que a prática da
propaganda eleitoral antecipada pode gerar repercussões negativas à
legitimidade do processo eleitoral, na medida que desequilibra a disputa
eleitoral, favorecendo aqueles que antecipam ilegalmente suas
candidaturas, com má-fé e deslealdade eleitoral, em detrimento dos que
respeitam a legislação, razão porque a participação popular e dos órgãos
competentes na fiscalização dessas práticas é de fundamental
importância.
Comentários
Postar um comentário